
Trata-se de um romance ao estilo Joanne Harris, mas em bom. Ou, pelo menos, menos mau.
Não me parece que seja uma obra «admirável» nem «brilhante» como vem citado na capa do livro como sendo a crítica do Independent.
Também me parece estar um pouco aquém de ser «um esboço de quase todos os aspectos da realidade israelita», como se pode ler na mesma citação.
Não que neste ponto o livro fuja à verdade, até porque não conheço a realidade israelita para afirmar isso, mas parece-me recheado de verdades de La Palisse e que só com muito boa vontade é que podem ser vistas como grandes revelações daquilo que é a sociedade israelita contemporânea. Ou talvez eu estivesse com expectativas altas neste campo e por isso depois me tivesse desiludido um pouco.
… Mas por exemplo: é do conhecimento geral que em Israel existe muita gente um pouco perturbada por ter visto toda a sua família sucumbir ao holocausto. É, não é? E também se sabe que terra era Israel antes de o ser, e quem lá estava antes, não sabe? E também sabemos, ou pelo menos suspeitamos fortemente, que os árabes são todos (…enfim… alguns. Não vamos generalizar) meio apanhados do clima, não sabemos? E também não nos será muito difícil imaginar, dada a sua latitude, que em Israel, no verão, faz um calor de ananases, certo?
É por tudo isto que não senti que o Susana em Lágrimas me ensinasse muito sobre a sociedade israelita.
Alona Kimhi, a autora, tem, porém, quanto a mim, um grande mérito, perante o qual me curvo, que é a razão deste post: Susana. A tal que está permanentemente em lágrimas e que é uma personagem no mínimo insólita. Vulgo cromo. Mas sério.
Conheço uma senhora que, através de uma bactéria, contraiu certa vez um síndroma raríssimo que a deixou às portas da morte e que consiste, grosso modo, em ter as doenças todas de pele que existem, umas a seguir às outras, forte e feio.
Eu acho que a Susana tem isso, mas na versão do foro psicológico. E no caso dela, apesar de não se dever fazer pouco destas coisas,… desculpem… mas acaba por ser hilariante!
Ora leiam:
«Eu [Susana] abracei-a [mãe da Susana] e disse, qual quê, és a pessoa de quem mais gosto no mundo. E senti um cheiro que, apesar de ela ser uma pessoa asseada, era o cheiro a mofo da velhice, e senti também um leve cheiro a fritos e a champô de ovos anticaspa que emanava dos seus cabelos e fiquei cheia de orgulho por ter sido capaz de vencer o nojo.
Uma das coisas que mais me fazem sofrer é o nojo e o ódio que sinto por pessoas de quem gosto.»
Mas há mais! A páginas tantas, ela vai ao teatro, mas está como que um bocadito contrariada. E então faz isto:
«(…), levo a palma da minha mão direita à boca e ferro os dentes com toda a força na carne entre o indicador e o polegar. Fecho o maxilar e começo a morder, Quanto mais me dói, mais mordo.
E subitamente percebo quem sou. Percebo perfeitamente.
Sou uma criatura.
(…)
Cravo os dentes ainda com mais força. Parece-me que começo a sentir o gosto salgado do sangue, (…). Mordo com mais força.
(…)
Em breve tudo isto vai chegar ao fim e na minha boca restará apenas um pedaço de pele e de carne. Uma dentadinha de hamburger em sangue. Engulo-a? Cuspo-a? Acaba de mastigar, Susana, para seres grande e forte.»
No comments…
E a relação da Susana com a cadelita rottweiler do vizinho?
A cadela, que inicialmente Susana julga ser um cão, sempre lhe teve um ódio de morte, ladrando descontroladamente para deixar bem claros os sentimentos que nutria por ela sempre que a via.
Então a Susaninha, um belo dia, quando se depara com a cadela, em vez de se por a milhas como habitualmente, avança para ela, pé ante pé, e faz isto:
«Estava de cócoras como um beduíno em frente do cão. Este ainda lançava uns restos de uivos, e tinha os olhos pretos e brilhantes cravados em mim, com curiosidade. (…)
Eu estava mesmo diante dele. Já nada fazia diferença. Voltei a fechar os olhos. A minha respiração calma cruzou-se com a dele, quente, repugnante. Uma respiração a tresandar a carne. A sensação de nojo era quase agradável. Relaxante. Sensual. Uma coisa húmida e rugosa tocou-me na cara, deslizou por ela, e molhou-a com um líquido pegajoso e fumegante. Abri os olhos. A língua dele de um rosa-arroxeado, lambia-me as faces, os olhos. O queixo. Título do Jornal Ha’aretz: “Uma mulher mantinha relações sexuais com um rottweiler arraçado de Kurtzweiler em Ramat-Gan. Os juízes prolongaram a sua detenção por mais quarenta e oito horas…”»
… Falta dizer que Susana fez isto para impressionar o seu amado, mais uma daquelas pessoas de quem tinha muito nojo, muito nojo, mas que não descansou enquanto não o levou para a cama.
E depois os árabes é que são apanhados do clima…
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